XÍCARA

Conta Lúcia referindo-se à sua prima Jacinta: «Um dia sua mãe levou-lhe uma xícara de leite e disse-lhe que a tomasse.
- Não quero, minha mãe, - respondeu - afastando com a mãozinha a xícara.
Minha tia teimou um pouco e depois retirou-se dizendo:
- Não sei como lhe hei-de fazer tomar alguma coisa com tanto fastio.
Logo que ficámos sós perguntei-lhe:
- Como desobedeceste assim à tua mãe e não ofereceste este sacrifício a Nosso Senhor? Ao ouvir isto, deixou cair algumas lágrimas, que eu tive a felicidade de limpar, e disse:
- Agora não me lembrei. Chama pela minha mãe e pede-lhe perdão e diz-lhe que tomo tudo quanto ela quiser.
A mãe traz-lhe a xícara de leite; toma-o sem mostrar a mais leve repugnância. Depois diz-me:
- Se soubesses quanto me custou!»

ENCONTRO















Encontraram-se um dia, uma lágrima, uma estrela, uma pérola e uma gota de orvalho.

Falou primeiro a estrela:
" - Quem diria que eu tivesse o trabalho de descer das alturas luminosas, para vir conversar com vocês três? Não sabem que sou mais alta que as nuvens? E que a minha altivez fulgura entre mil chamas radiosas, na infinita amplidão?"

Mas, respondeu a pérola vaidosa:
- Quem te dará valor, entre milhões de lâmpadas no espaço?
Tu não passas de um grão de esplendor, metido na poeira do infinito. Ninguém se lembra de te por nos braços! Enquanto eu, lá no fundo dos oceanos, sou buscada e vendida aos soberanos, para enfeitar, com minha limpidez, as coroas dos reis! Vivo no colo esplêndido dos nobres, e nos ricos seios das rainhas... Não como ti, que sob o olhar dos pobres poetas vagabundos te encaminhas...
"- Valho mais que tu! E ainda mais valho que um orvalho e uma lágrima, pois ambos são gotas d'água, sem o mínimo valor."

Disse o orvalho, com mágoa:
"- Qual de vocês três, tem esse encanto de se transformar em gozo,
na boca imaculada de uma flor? Eu venho lá de cima, radiante, nos braços da alvorada, cobrir de beijos uma rosa, que se sente tão doce nesse instante, que vale a pena vê-la tão ditosa! E trago o riso ao coração da Terra, engolfada em pranto. Eis como sou feliz! Na campina, ou no cimo da serra, sou sempre uma esperança cristalina, nos lábios sorridentes de uma flor!"

Calou-se o orvalho. E a lágrima? Coitada, esta nada dizia...
"E que respondes tu?" Perguntaram os demais.
E ela, rolada na terra húmida e fria, nada ousava falar... Porém, sublime e calma, respondeu :
"- Eu sou o perdão no crime e a vibração no amor!
Bailo no olhar risonho da alegria, moro no olhar tristíssimo da dor!
Eu sou a alma da saudade da harmonia! Sou o estrilo na lira soluçante dos poetas, sou oração no peito dos ascetas, sou relíquia de mãe em coração de filho, sou lembrança de filho em coração de mãe! Não vivo nos seios perfumosos, nos colos orgulhosos, na ostentação efémera do luxo...
Porém, penetro no espírito do mundo, seja do rei, do sábio mais profundo, do rústico mais vil... do pecador,
do santo, até na face do Senhor um dia já rolei...
Eu, lágrima pequena, penetrei no coração de Deus,
e fiz estremecer, abrir-se extasiado o pórtico dos céus!

A lágrima calou-se humildemente, deslumbrando...
Em silêncio, a tudo contemplou serenamente, na vastidão vazia...

A estrela se ocultou atrás de uma nuvem e chorava...

A pérola desceu à profundeza dos mares e chorava também...

O orvalho tremulando sobre a relva também chorava...

E a lágrima...
Só a lágrima sorria!...


(Autor Desconhecido)

Referências Bibliográficas

  • Manual do Guerreiro da Luz de Paulo Coelho
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